terça-feira, 1 de maio de 2012

Análise do Conto A Autoestrada do Sul, de Julio Cortázar


A provocação de Cortázar é válida. E muito bem-vinda por ser oportuna em nossos dias uma crítica ainda que velada ao sistema que amalgamou o homem à máquina e à tecnologia. Note-se que ele publicou o livro em 1969, na Argentina que ainda se estruturava culturalmente após o golpe militar! Em minhas mãos, a 4ª edição, de 1984, pela Civilização Brasileira.
No conto de abertura de Todos os Fogos o Fogo, o local que se apresenta ao leitor é o trecho que liga Fontainebleu à Paris. A Auto-Estrada do Sul (título do conto que, naquela época, separava-se com hífen), descreve o comportamento das pessoas frente a um congestionamento que dura mais do que o esperado e a impressão que fica é de que as pessoas sucumbiram sob as máquinas, em última instância, sob seus bens de consumo, resultado do seu poder de compra. Isso não porque o narrador-observador as nomeia como carros, referindo-se aos carros que possuem, mas porque estas estão tão intimamente conectadas aos motores de seus veículos que, ao menor sinal, eles se sentem vivos por darem partida na chave e engrenar a primeira marcha. Parece que o sangue lhes volta às artérias. Noutra observação menos extraordinária do conto, evidencia-se que as necessidades fisiológicas de fome, sede e excreção são as primeiras a forçar os humanos a perceberem-se como tais e, assim, forçados a saírem das máquinas, põem-se em busca de suprir essas necessidades. À medida que o passar das horas e o clima trabalham (forças naturais), há a predominância do humano em detrimento à máquina, pois forja-se uma logística de guerra para a sobrevivência de blocos de pessoas em diversos pontos do congestionamento e a satisfação do desejo correspondido, quando os corpos malcheirosos, mas imbuídos da busca por satisfazer seus instintos mais primitivos, se correspondem no meio da madrugada, contando com a aquiescência fiel e silenciosa da platéia, onde todos são cúmplices uns dos outros. Aparentemente (e este é um recurso muito próprio de Cortázar), o material é subjugado pelo humano: carros viram cama, ambulância, ataúde; até o revestimento de seus estofamentos vira cobertor para proteger do frio e da neve. Mas, é notável e até certo ponto angustiante, ver os homens tão apegados àquelas máquinas tão suas que seus nomes já foram incorporados à sua pessoa, que nenhum deles pensa em abandonar seu veículo na autoestrada e prosseguir a pé, num gesto de protesto ao descaso das autoridades de trânsito que abandonam motoristas à própria sorte e ao mesmo tempo, num rompante de desprezo ao materialismo e todo seu desarranjo inorgânico e insustentável, numa demonstração de que a vida pode valer mais que um congestionamento, que não será detida por nada. Com exceção do Caravelle, que se opondo à inação, livra-se do congestionamento e de todo o torpor de uma reflexão imposta por esta situação inesperada, que se estende demasiadamente em detrimento a uma decisão já tomada ao entrar no veículo e que, por meio do suicídio ali mesmo vai às vias de fato. A alienação é tal que somente esta primeira morte causa impacto – talvez pela forma que a anunciou. Mas o valor da máquina, o preço ao que seu dono submeteu-se até que estivesse pronto a usufruir dela, e que agora o nomeia e o liga eternamente a ela, não o permite abandonar seu veículo por nada neste mundo. Prova de que o capitalismo triunfa sobre o pensamento humano é que, quando o congestionamento é desfeito, todos os carros fluem num movimento de inércia constante e desesperadora, acelerados sem que seus motoristas saibam exatamente porque tanta pressa e sem que estes sequer, olhem para trás. Como os faróis de seus carros, eles só conseguem olhar para frente.

Autoria: (Mirna) Cris Cases, Acadêmica de Letras da UNIASSELVI/POA-RS

4 comentários:

  1. Legal me ajudou a entender e interpretar um pouco o conto :D

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  2. Parabéns! Obrigado! Sempre que tenho atividades escolares, costumo ler os textos imposto e logo após pesquisar resumos, resenhas, críticas, ..., para um melhor entendimento. Seu posicionamento sob o conto, serviu de muita beneficialidade a mim.

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  3. Acabei de ler o conto e ainda me sinto bastante impactada, procurando por análises, reflexões sobre ele. Grata!

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