O Príncipe e a Rosa
Era uma vez um
príncipe, um pequeno príncipe, viajante de um planeta muito distante (na
verdade, era um asteroide) chamado B-666, digo B612. Ele havia caído em um
deserto deste planeta Terra – que era bem maior que o seu asteroide, mas era
feito praticamente do mesmo material. Mal chegando aqui, já queria retornar às
suas origens, pois passou a consumir-lhe a preocupação com a rosa que amava e
que havia abandonado à própria sorte.
Sua rosa havia
aparecido sem que ele soubesse exatamente de onde viera e passou a empurrar
para um canto a rotina milenar daquele solitário e muito disciplinado
principezinho porque ela reivindicava para si muitos cuidados – essas coisas de
flor: alimento e proteção. Antes dela tudo estava em perfeita ordem: ele fazia
a manutenção de três vulcões (um deles declaradamente extinto) e de todos os
baobás porque o terreno era muito árido por ali e, até então, havia uma troca
justa. Os baobás lhe davam sombra fresca e água, e os vulcões ativos eram úteis na hora de
preparar almoço – sim, porque esse principezinho era um excelente gourmet.
Mas a rosa... Ah: a rosa passou a atormentá-lo com suas fragilidades – essas
coisas típicas de flor: medo do frio e da dor. Ela não suportava o frio, nem a
invasão das lagartas, embora estas se envolvessem nos respectivos casulos
durante o inverno – mas a ideia de ser lentamente devorada por elas deixava-lhe
apavorada por completo; e por isso suplicava ao príncipe que as removesse
rapidamente. E, se ele alguma vez se descuidava desses afazeres diários, ela
simulava uma tosse crônica, quase que sufocava. Então, ele mais que depressa, a
protegia. De repente, olhava mais uma vez para a rosa e ela estava lá, com
aquela mania de flor: declamando as poesias que escrevia para seu príncipe e
cantando alegremente para ele, feliz. Ainda há pouco, estava tão adoecida,
agora está aí a cantar enquanto eu fico aqui a trabalhar e trabalhar! Não
admira que seu perfume e sua beleza sejam conhecidos de todo o planeta – digo:
asteroide: ela praticamente vive num pedestal, tudo isso ele pensou num milésimo
de segundo! E pensou mais: meus vulcões e meus baobás me dão retorno certo, mas
e ela – o que essa rosa tem para me
oferecer, afinal?
Foi aí que ele
passou a duvidar de que se beneficiaria de fato com a presença da rosa. Assim,
passou a arquitetar todo tipo de dúvida. Logo não olhava mais para ela com
tamanha admiração e paixão como da primeira vez e sim, com sombra de dúvidas. Depois de um tempo, já
sentia o peso daquela sequência de reivindicações e passou a emanar de si uma tristeza
tão profunda que a rosa até ficou com medo de adoecer de verdade e acabar dando
mais trabalho para o principezinho. E, como só tinha seu perfume e sua beleza
para oferecer ao seu dono, isso nada
significaria, se ele estivesse cansado dela e almejasse coisas mais significativas.
Um belo dia,
digo: era um dia triste esse, uma fria manhã de outono, ele disse “não quero
mais viver contigo”, “e, porque vieste te instalar logo aqui no meu asteroide, agora sou eu que tenho de ir-me
embora se quiser ver-me livre de ti”. E, com ar de cansado, preparou-se para
partir. Na verdade, quando ela olhou novamente para ele, achou que o
principezinho havia envelhecido duzentos anos e pensou, “isso tem um lado bom,
porque nessa idade, as pessoas demoram mais para transformar grandes decisões em
ação”. Mas, ele tinha ficado velho só por fora, porque, por dentro ainda era um
menino. Aquele pequeno príncipe era só um menino atormentado com a ideia de ser
eternamente responsável por aquela rosa que se deixara cativar por ele. Então,
ele revirou pela última vez seus vulcões, e podou pela última vez seus baobás,
e arrumou a sua mala. Mesmo sob os protestos da rosa – essas coisas de flor:
medo da rejeição e da solidão. E ela, que não suportava vê-lo determinado a
seguir seu intento de partir, num gesto corajoso e de plena abnegação, lançou
de sobre si a redoma que era de vidro e se quebrou, ali ela estivera protegida do frio e das larvas até então e logo precisou curvar-se sobre as
próprias folhas e espinhos porque ventava tanto a ponto de arrancar-lhe algumas
das suas pétalas mais vistosas, assim, toda sua cabeleira de pétalas vermelhas
por fim, acabou roçando o solo árido do planeta – digo: asteroide. Nisso, uma
lagarta que passava por ali, achou por bem refugiar-se naquela vasta peteleira
(que é cabeleira em forma de pétala)... Arrancando da rosa um suspiro e quase um sorriso
inteiro, não fosse pela circunstância desmoronática na qual se encontravam ela
e o príncipe... Por fim, o tal sorriso ficou inacabado mesmo (mas foi como
dizer: bem-vinda, dona lagarta - porque ela havia feito uma pesquisa e
descoberto no blog de um jovem biólogo que todas as lagartas viram borboletas,
então, permitiu que a colorida lagarta a visitasse sempre que quisesse). “terei
que suportar uma ou duas larvas se eu quiser conhecer as borboletas”, disse
ela, firmando-se bem na sua haste. Ela havia descoberto que, afinal, não era
assim tão frágil quanto pensava. Havia aprendido muito da vida com seus
estudos, ali, na sua redoma de vidro. Era uma rosa forte agora. Todos aqueles
cuidados diários de quem a amara até então haviam feito com que ela sobrevivesse
a todas as intempéries e ela, estendendo as folhas maiores, esticou-se o quanto
pôde em sua haste para tocar o príncipe, seu pequeno príncipe, enquanto dizia
num sussurro de reconhecimento e gratidão porque ele a havia acolhido: eu te
amo. Mas ele se afastou sem nada dizer e virou-lhe as costas. Ela não sabia
mais o que dizer, porque há outras linguagens, outras maneiras de dizer sem
falar, mas ela tentou assegurar-se de que ele a ouviria desta vez: apenas disse
“adeus”, mas não chorou. Estava aprendendo uma nova e poderosa lição chamada
resiliência.
Ele, por sua
vez, partiu - e retornou ao planeta, digo: asteroide, mais um milhão de vezes.
Porque, somente ao certificar-se de que estava irremediavelmente distante da
sua rosa é que ele percebia o quanto a amava. E, isso foi interessante porque,
na primeira vez que ele partira, acabou descobrindo, ao voltar, que aquela
lagarta era uma taturana e havia deixado sua rosa bastante ferida... Então, ele
sentia tanta pena dela porque agora seu corpo estava tão deformado pela ação
daquela lagarta feroz que fez um esforço para não perceber que, dali em diante
sempre que a rosa cantava, saia junto com a voz dela um gemido bem fininho de
dor. E também fez vista grossa quando, ao voltar de muito mais longe outra vez,
percebera que os espinhos da sua rosa
haviam se multiplicado e estavam mais robustos do que nunca. Mas ficou feliz em
saber que a rosa aprendera a usar seus espinhos para se defender das taturanas.
Ela disse: “Tudo na vida tem um lado bom, só precisamos aprender a enxergar...Além do mais, só
se vê bem com o coração, porque o essencial é invisível aos olhos”.
Até que numa
dessas idas e vindas, o principezinho chegou a um planeta muito, muito mais
distante chamado Terra e encontrou um aviador no meio do deserto. E, como ainda
estava com muita raiva da rosa (talvez pelos espinhos multiplicados, ou pelas
canções repetitivas, ou pelas lições de moral daquele interminável jogo do
contente “tudo-tem-um-lado-bom-blá-blá-blá” ou só porque sim), pediu para o
aviador que lhe desenhasse um carneiro numa pequena folha de papel. Ele
pretendia levar o carneiro para o seu planeta, digo: asteroide. Certamente, um
carneiro me será muito útil nos invernos rigorosos, pensava o pequeno príncipe.
“Por favor, desenha-me um carneiro”, disse o principezinho com aquela doce voz
de guri. Com muito custo, ele obteve o tal carneiro, pois, como desenhista, o
homem era mesmo um excelente aviador. Dias depois, descobriu que o seu lindo
carneiro havia devorado a rosa com todas as suas crisálidas de estimação –
porque o aviador esquecera-se de desenhar também uma mordaça para o carneiro -
ou desenhara tão mal que mais parecia outra coisa e o carneiro devorara o tal objeto
sem a menor cerimônia. Então, não suportando tamanha dor, o principezinho se
matou. Digo: contratou os serviços de uma experiente serpente para matá-lo e
ela foi muito eficiente mesmo.
Haviam dito para
ele que quando se morre, a gente vira uma estrela. E, mesmo ele tendo
perguntado se estrelas sentem frio, ou têm perfume, ninguém soube responder.
Porque quando a gente é menor e não sabe das coisas, pergunta para os maiores.
Depois que a gente cresce cada um tem que ir atrás de suas próprias respostas,
estudar com dedicação, pesquisar. Mas, pelo que se diz por aí, àquela altura, a
rosa já tinha virado estrela de brilho raro. Então, o principezinho virou também,
outra, mas era mais parecido com o Sol, porque ele era de muita grandeza. Alguém
chegou a afirmar ter ouvido umas risadas no meio do céu. Vai ver que no final,
eles foram felizes para sempre!
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